Tecnologia e sedentarismo
De caçar e coletar à digitar e aguardar
Imagine que você vive há 30 mil anos e sente fome. Nessa época, anterior ao desenvolvimento da agricultura, você seria um caçador-coletor. Isso significa que você teria que se levantar e ir atrás da comida para saciar sua fome. Provavelmente você sairia com alguns companheiros para colher algumas frutas, desenterrar algumas raízes ou caçar um coelho ou algumas rãs. Independente da escolha, na jornada até seu alimento você teria que se levantar, caminhar, correr, agachar, pular, talvez subir em alguma árvore ou até nadar. Se tudo desse certo, você não precisaria fugir de nenhum tigre no meio do caminho. Ao retornar, carregando os frutos da sua caça/coleta, você ainda teria que preparar seu alimento para finalmente comê-lo.
Agora volte para o presente e imagine-se com fome no final do dia. Você pega do bolso seu celular, abre seu aplicativo favorito de comida e pede sua refeição com alguns toques na tela. Tudo que você precisou foi de alguns movimentos com os olhos e com as mãos. Dentro de alguns minutos sua campainha/interfone toca. Em alguns casos, isso já é o suficiente para iniciar um debate fervoroso entre os membros da família para decidir quem será empenhado na árdua tarefa de se levantar do sofá e receber o entregador. O fato é que sua refeição chegou até você. Você não precisa nem prepará-la. Seu trabalho foi digitar, aguardar e comer.
É verdade que não pedimos comida por aplicativo todos os dias e que ainda temos que trabalhar duro para que seja possível conseguir nosso alimento. Mas também é notável que desde que migramos dos campos para as cidades, de forma geral, os trabalhos tem assumido características cada vez mais sedentárias.
A lei do menor esforço
Desde a invenção da roda o homem se empenha em desenvolver tecnologias que facilitem a sua vida. Essa facilidade envolve realizar o máximo de trabalho com o mínimo de esforço. Essa lógica se adequa bem ao organismo de nossos ancestrais, uma vez que eles não tinham a mesma facilidade que nós para obter comida. Se quisessem se alimentar, precisavam se movimentar. Isso fez com que nosso corpo se tornasse extremamente econômico para sobreviver. Somos programados para armazenar ao máximo a energia que consumimos e gastar o mínimo nas atividades que realizamos.
Pense nos movimentos e no esforço que foi economizado a partir da invenção da roda, do carrinho de mão, da charrete, do automóvel, do vidro elétrico, do controle remoto, do elevador e da batedeira. Não faltou ao homem criatividade para desenvolver formas de se esforçar cada vez menos para resolver seus problemas. Nossa tendência ao menor esforço foi um dos motores do avanço tecnológico, mas também nos trouxe a uma situação preocupante de sedentarismo, obesidade e suas doenças associadas.
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Gonza Rodrigues/Arte ZH |
Evolução tecnológica versus evolução biológica
Chegamos a um ponto chave: a velocidade do avanço tecnológico supera enormemente a velocidade do avanço biológico. Observe os últimos anos como exemplo. Em um curto espaço de tempo, assistimos diversos equipamentos eletrônicos - máquina fotográfica, câmera filmadora, gravador de voz, televisão, aparelho de som e etc. - serem assimilados por único aparelho (que cabe no seu bolso). Tudo isso apenas nas últimas décadas! Vivemos em um mundo totalmente diferente do mundo que vivíamos 20 anos atrás, mas do ponto de vista fisiológico funcionamos exatamente da mesma maneira. Na verdade, nem mesmo os últimos 200 anos - período em que vivemos e trabalhamos no meio urbano - representam grande coisa perto dos milhares de anos que vivemos como caçadores-coletores.
O corpo que você tem hoje é muito mais bem equipado para passar o dia caçando do que para passar o dia na frente do computador solucionando problemas com fornecedores, atualizando planilhas ou produzindo relatórios. Fazia todo sentido ter um organismo capaz de armazenar energia ao máximo e gastar energia ao mínimo em uma época em que não se sabia ao certo se seria possível conseguir comida e que a necessidade de movimento era abundante. O problema é que hoje nosso organismo possui a mesma capacidade de economizar energia, mas em um contexto de maior facilidade de acesso à comida e baixa necessidade de movimento. Uma das consequências disso é o impressionante crescimento da obesidade ao redor do mundo. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a estimativa é que em 2025, 2,3 bilhões de adultos ao redor do mundo estejam acima do peso, sendo 700 milhões com obesidade. No Brasil, mais da metade da população encontra-se acima do peso, enquanto 19,8% apresentam quadro de obesidade. Confira os números no mapa da obesidade da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica clicando aqui.
Você foi feito para se movimentar
A intenção não é, de forma nenhuma, criticar o avanço tecnológico. Afinal, nos beneficiamos enormemente dele. Precisamos, no entanto, tomar consciência da nossa natureza e buscar meios para nos adaptar às mudanças do mundo. Nesse contexto, a prática regular de exercício físico aumenta em importância cada vez que uma nova tecnologia nos poupa de realizar algum movimento. O exercício físico é uma maneira de compensar as facilidades que nos são oferecidas pelo ambiente moderno.
Qualquer sistema orgânico que não seja desafiado sofre declínio em sua função. Tome como exemplo uma pessoa que, por algum motivo, tenha que permanecer acamada por um longo período. A ausência de carga sobre o sistema esquelético leva a uma diminuição da densidade mineral dos seus ossos. Assim acontece com seu coração, pulmão e músculos se não forem estimulados através do movimento. Aliás, o mesmo acontece com o seu carro se permanecer por um longo período sem se movimentar. Suas peças sofrem e seu funcionamento é prejudicado. O fato é que seu corpo, assim como seu carro, foi feito para se movimentar e seu bom funcionamento depende do movimento. Se o ambiente cada vez menos exige movimento, você precisa voluntariamente se levantar e produzi-lo.
Mas e a preguiça?
Perceba que realizar grandes esforços sem um bom motivo não fazia parte da lógica dos nossos ancestrais. Eles não corriam para melhorar a saúde do coração. Corriam para fugir de algum perigo. Não saiam para caminhar com a intenção de melhorar a saúde pulmonar. Caminhavam para buscar alimento. Por isso, muitos de nós temos uma certa aversão ao exercício físico. Está entranhado em nosso DNA que, se não for para conseguir comida, segurança ou sexo, o movimento não passa de desperdício de energia. E desperdiçar energia é colocar em risco a própria sobrevivência.
Tomar consciência de todo esse contexto pode ser um motivador a mais para te fazer levantar do sofá. Da próxima vez que você pensar em fazer exercício e bater aquela preguiça você vai lembrar que isso é normal. Faz parte da sua natureza. São seus genes implorando para que você não desperdice energia. Nesse momento você vai usar a capacidade humana de intervir sobre seus impulsos naturais. Sua mente vai informar para os seus genes que eles estavam certos há alguns milhares de anos, mas agora a realidade é outra. Você tem sim um grande motivo para se movimentar: SUA SAÚDE!
O lado bom da tecnologia
Para que não reste dúvida que a intenção não é colocar o avanço tecnológico como vilão, quero levantar alguns pontos positivos da tecnologia sobre o movimento. Para começar, você está lendo esse texto e sendo motivado a se movimentar graças ao avanço tecnológico. Por meio do computador/celular e da internet, você pode receber e transmitir mensagens educativas e inspiradoras sobre movimento para pessoas de todas as partes do mundo com apenas alguns cliques. Outro exemplo são as esteiras e bicicletas ergométricas. Esses aparelhos te permitem praticar exercício físico em um dia frio ou chuvoso com muito mais facilidade. Sem contar os aplicativos que monitoram variáveis fisiológicas e de treinamento que permitem um controle muito mais apurado e, consequentemente, uma prática mais segura e efetiva do exercício físico.
As ferramentas em si mesmas não são boas nem ruins, são apenas ferramentas. Nós é que precisamos fazer bom uso de todos os recursos que temos à disposição. Você não precisa abandonar de vez o elevador se mora no décimo andar. É claro que ele facilita a sua vida e você deve usá-lo. Você só precisa estar consciente que essas pequenas facilidades precisam ser compensadas com equilíbrio através do exercício físico mais adequado para você.
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